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Ansiedade: Ana Amélia J. Capuano destaca essa ‘resposta natural do organismo’, mas que pode se tornar um transtorno mental

Entrevista e texto: Natália Tiezzi

Uma resposta natural do organismo diante de situações percebidas como desafiadoras ou ameaçadoras, mas que pode se transformar em um transtorno mental: a Ansiedade, uma condição que afeta o humano em qualquer idade e que nos últimos anos viu crescer os diagnósticos, seja pelo reconhecimento dos sintomas e busca por auxílio à saúde mental, seja pelo próprio estilo de vida, que intensificou estímulos e pressões constantes.

Para falar um pouco sobre a ansiedade, o site e jornal online Minha São José entrevistou a psicóloga Ana Amélia Junqueira Capuano, que falou sobre sintomas, tratamentos, prevenção (sim, é possível preveni-la), bem como a difícil realidade acerca da falta de atendimento público ou quando seu acesso é limitado, realidade vivida em muitos municípios.

Ela também ressaltou sobre a importância de buscar ajuda e de dizer não ao preconceito. “Pedir ajuda é um gesto de coragem, e reconhecer que precisa de suporte é o primeiro passo para recuperar equilíbrio e qualidade de vida”, afirmou.

Confiram, abaixo, a entrevista na íntegra.

Minha São José: Ana Amélia, o que é a Ansiedade?

Ana Amélia Junqueira Capuano: A Ansiedade é uma resposta natural do organismo diante de situações percebidas como desafiadoras ou ameaçadoras. Ela envolve ativação física, emocional e cognitiva, preparando o indivíduo para agir. Quando essa resposta se torna intensa, frequente ou desproporcional ao contexto, passa a interferir na qualidade de vida e pode ser caracterizada como um transtorno de ansiedade.

Ela pode acometer seres humanos em qualquer idade ou há um período mais específico?

A ansiedade pode se manifestar em qualquer idade, desde a infância até a velhice. No entanto, existem períodos da vida em que ela tende a se intensificar devido a mudanças neurológicas, hormonais ou sociais. Na infância, é comum observar formas relacionadas ao desenvolvimento e ao apego. Na adolescência, o aumento das demandas sociais, acadêmicas e a reorganização emocional tornam esse período mais vulnerável. Na vida adulta, sobrecarga, responsabilidades e transições importantes podem desencadear sintomas. Já na terceira idade, fatores como perdas, doenças crônicas e alterações cognitivas podem favorecer quadros ansiosos.

Por que os diagnósticos de ansiedade aumentaram nos últimos anos?

Os diagnósticos de ansiedade aumentaram nos últimos anos por uma combinação de fatores. Primeiro, o estilo de vida moderno intensificou estímulos e pressões constantes: excesso de demandas, hiperconectividade, ritmo acelerado, pouca pausa e altas expectativas sociais e profissionais. Esse ambiente mantém o organismo em alerta prolongado, favorecendo quadros ansiosos. Além disso, houve um aumento significativo na informação e na conscientização sobre saúde mental. As pessoas passaram a reconhecer sinais que antes eram normalizados ou ignorados e a buscar ajuda mais cedo. Paralelamente, os profissionais da saúde mental aprimoraram seus critérios diagnósticos e ampliaram o acesso a avaliações. Outro ponto importante é que, nos últimos anos, eventos coletivos estressores como: crises econômicas, mudanças sociais rápidas e impactos pós-pandemia contribuíram para elevar os níveis de estresse e vulnerabilidade emocional das populações.

A psicóloga Ana Amélia observou que a ansiedade pode afetar diversos aspectos como o emocional, o comportamental e o físico

Como saber se estou com ansiedade? Há sintomas específicos?

A ansiedade costuma se manifestar por um conjunto de sinais físicos, emocionais e comportamentais. Embora cada pessoa possa apresentar sintomas diferentes, existem manifestações típicas que ajudam na identificação. Entre os sintomas físicos mais comuns, estão: palpitações, aperto no peito, respiração curta, tensão muscular, tremores, sudorese, tontura, sensação de frio ou calor súbito e distúrbios gastrointestinais. Nos sintomas cognitivos, destacam-se: preocupação constante, sensação de que algo ruim vai acontecer, dificuldade de concentração, pensamentos acelerados e dificuldade de controlar a preocupação. Já os sintomas comportamentais incluem: inquietação, dificuldade de relaxar, irritabilidade, evitação de situações que geram desconforto e alterações no sono, como dificuldade para iniciar ou manter o sono. É importante lembrar que sentir ansiedade em alguns momentos é normal. Ela se torna um sinal de alerta quando é frequente, intensa, desproporcional ao contexto e gera prejuízos na rotina, nas relações ou no desempenho das atividades diárias. Nessas situações, buscar uma avaliação profissional é fundamental para um diagnóstico adequado e orientações de manejo.

E quando devemos buscar ajuda e a que profissionais recorrer?

Devemos procurar ajuda quando a ansiedade começa a interferir na rotina, gerar sofrimento significativo ou impedir o funcionamento adequado no dia a dia. Isso inclui situações como: prejuízos no sono, queda no desempenho no trabalho ou nos estudos, dificuldade de tomar decisões, evitação constante de atividades, sintomas físicos intensos ou sensação de perda de controle emocional. Além disso, é importante buscar ajuda quando os sintomas são persistentes, não melhoram com estratégias básicas de autocuidado ou quando a pessoa sente que não consegue lidar sozinha com suas reações. Os profissionais adequados para procurar são: Psicólogo(a): realiza avaliação clínica, identifica gatilhos, trabalha estratégias de regulação emocional, reestruturação cognitiva e manejo dos sintomas por meio da psicoterapia; Psiquiatra: é o profissional responsável pela avaliação médica. Ele pode diagnosticar transtornos de ansiedade, descartar causas orgânicas e, quando necessário, prescrever medicação para estabilizar os sintomas; Médico clínico ou neurologista (em casos específicos): podem ser procurados inicialmente para excluir causas físicas, quando os sintomas se manifestam principalmente no corpo, como taquicardia, tontura ou falta de ar. Em resumo, buscar ajuda não é sinal de fraqueza, mas um passo de cuidado e prevenção, garantindo que a ansiedade seja tratada antes que cause maiores prejuízos.

Para quem já tem diagnóstico, quais são os gatilhos que se pode evitar para não desencadear crises?

Para quem já possui diagnóstico de transtorno de ansiedade, é importante identificar e controlar fatores que costumam atuar como gatilhos. Eles variam de pessoa para pessoa, mas existem alguns desencadeadores comuns que podem ser evitados ou reduzidos. Situações de sobrecarga física ou emocional estão entre os principais gatilhos. Rotinas excessivas, acúmulo de tarefas, falta de descanso e longos períodos de estresse contínuo tendem a aumentar a vulnerabilidade às crises. Outro fator relevante é o sono irregular, tanto a privação quanto horários desorganizados, já que o descanso adequado regula os sistemas envolvidos na resposta ansiosa. Ambientes muito estimulantes ou conflituosos também são gatilhos frequentes. Exposição prolongada a conflitos, cobranças intensas, ruídos excessivos ou ambientes caóticos pode elevar o estado de alerta. Além disso, o uso de cafeína, nicotina e bebidas energéticas pode intensificar sintomas físicos, como taquicardia e agitação, facilitando a instalação de uma crise. A evitação de situações temidas é outro ponto sensível. Embora pareça confortável no momento, evitar reforça o medo e aumenta a probabilidade de crises futuras. Por isso, o ideal é trabalhar enfrentamentos graduais com apoio terapêutico. Por fim, fatores emocionais e cognitivos também têm grande impacto. Pensamentos catastróficos, autocobrança elevada, insegurança e dificuldade de colocar limites costumam amplificar a resposta ansiosa. Aprender a reconhecê-los e regulá-los na psicoterapia ajuda a prevenir crises. Em síntese, conhecer os próprios gatilhos e manter hábitos saudáveis, rotina organizada, sono adequado, redução de estimulantes, manejo do estresse e acompanhamento terapêutico é essencial para diminuir a frequência e a intensidade das crises.

Como a ansiedade pode atrapalhar a vida das pessoas?

A ansiedade pode afetar profundamente diversas áreas da vida quando se torna intensa e persistente. No aspecto emocional, gera preocupação exagerada, medo constante e sensação de incapacidade. No cognitivo, compromete a atenção, a memória e o raciocínio, dificultando tomada de decisões e resolução de problemas. No âmbito físico, sintomas como taquicardia, tensão muscular e falta de ar prejudicam o bem-estar e podem levar a limitação de atividades. Já no comportamental, a ansiedade pode provocar evitação, procrastinação, isolamento social e dificuldade de iniciar ou concluir tarefas. Esses prejuízos impactam diretamente o trabalho, os estudos, os relacionamentos e a rotina. Em muitos casos, a pessoa passa a viver em estado de alerta constante, reduzindo sua qualidade de vida e a sensação de autonomia. Lembrando que a ansiedade não tratada pode comprometer o funcionamento global, afetando tanto o desempenho quanto o bem-estar emocional e social.

Sim, é possível prevenir a ansiedade: “A prevenção envolve o fortalecimento da saúde emocional e a construção de hábitos que favoreçam o equilíbrio”, observou Ana Amélia

A ansiedade pode desencadear outros problemas, como a depressão, por exemplo?

Sim. A ansiedade pode contribuir para o surgimento de outros transtornos, especialmente quando permanece por longos períodos sem manejo adequado. A convivência com medo constante, preocupação excessiva e sensação de incapacidade pode levar ao esgotamento emocional, favorecendo o aparecimento de sintomas depressivos. Além disso, os dois quadros compartilham fatores de risco semelhantes, como estresse crônico, vulnerabilidade biológica e dificuldades de regulação emocional. Por isso, é comum que ansiedade e depressão apareçam juntas, o que chamamos de comorbidade.

Ana Amélia, quais fatores podem desencadear a ansiedade atualmente?

Atualmente, diversos fatores podem desencadear ou intensificar quadros ansiosos. Entre eles, destacam-se a sobrecarga de estímulos e hiperconectividade, que mantêm o cérebro em alerta contínuo; pressões sociais e profissionais, como busca por produtividade constante, comparação e autocobrança elevada; incertezas econômicas e instabilidade social, que aumentam a percepção de risco; excesso de informação negativa, especialmente em redes sociais e noticiários; mudanças rápidas no estilo de vida, falta de descanso adequado e rotinas desorganizadas e experiências pessoais estressoras, como perdas, conflitos familiares e doenças. Esses fatores não causam ansiedade isoladamente, mas atuam como gatilhos em pessoas biologicamente ou emocionalmente predispostas.

Como prevenir a ansiedade?

A prevenção envolve o fortalecimento da saúde emocional e a construção de hábitos que favoreçam o equilíbrio. Isso inclui rotina organizada, com períodos de descanso e limites claros; sono regulado, garantindo o tempo adequado de recuperação; atividade física, que reduz o estado de alerta e melhora o humor; alimentação equilibrada e redução de estimulantes, como cafeína; técnicas de respiração e relaxamento para regular o sistema nervoso; contato social saudável, com relações de apoio; autoconhecimento, permitindo identificar sinais precoces e agir rapidamente. E, quando necessário, psicoterapia preventiva, que ensina estratégias de manejo antes que os sintomas se agravem.

Grande parte das pessoas que sofrem com esse problema até procura auxílio, mas as filas de espera na rede pública é grande ao atendimento, com esperas longas, por vezes meses. O que fazer para se ter um tratamento e um acompanhamento adequado se não há acolhimento à essa demanda na rede pública?

Essa é uma realidade comum e preocupante. Quando o acesso ao atendimento público é limitado, algumas estratégias podem ajudar a garantir cuidado até que o tratamento formal seja iniciado. O paciente pode buscar atendimento inicial em unidades básicas de saúde, que conseguem oferecer orientações, acolhimento e, em alguns casos, encaminhamento prioritário. Outra alternativa são grupos de apoio comunitários, atividades de promoção de saúde mental oferecidas em centros de referência, práticas integrativas e equipes de atenção primária. Além disso, a universidade UNIP, disponibiliza atendimento psicológico supervisionado gratuito. Esses serviços ajudam a reduzir o sofrimento enquanto o paciente aguarda vaga especializada. O mais importante é que a pessoa não permaneça sem suporte: estratégias de autocuidado, redes de apoio e atendimentos alternativos podem oferecer estabilidade até que o tratamento completo seja viabilizado.

Para finalizar, o que diria para alguém que está sofrendo com ansiedade, mas ainda têm preconceito de ainda ser taxado como ‘louco’ ou frescura?

Eu diria que ansiedade não define quem você é e muito menos indica fraqueza ou incapacidade. Trata-se de uma condição emocional comum, que faz parte da experiência humana e que muitas pessoas enfrentam, independentemente de idade, profissão ou personalidade. Buscar ajuda não é sinal de loucura, é sinal de responsabilidade consigo mesmo. Assim como cuidamos do corpo quando algo não vai bem, cuidar da saúde emocional é um ato de maturidade e autocuidado. Pedir ajuda é um gesto de coragem, e reconhecer que precisa de suporte é o primeiro passo para recuperar equilíbrio e qualidade de vida.

Em tempo: A psicóloga atenderá em seu consultório até dia 19/12 neste 2025, retornando às atividades na primeira semana de janeiro de 2026. O endereço é Rua José Theodoro, 85, Centro.

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