Conteúdo sexual: Advogada alerta sobre crimes e punições a quem compartilha sem consentimento do autor
Entrevista e texto: Natália Tiezzi
Nas últimas semanas, diversos vídeos, contendo conteúdos sexuais e eróticos foram alvos de comentários, compartilhamentos e, como se costuma dizer ‘caíram nas redes sociais’, principalmente difundidos por aplicativos de mensagens.
Entretanto, o compartilhamento que gera a exposição deste tipo de conteúdo, sem a permissão do autor do vídeo ou fotos, é considerado crime no Brasil.
Para explicar e alertar as pessoas, que por desconhecimento da lei ou inconsequência compartilha vídeos e fotos íntimas sem consentimento do autor/autora pelas redes sociais ou aplicativos, o site e jornal online Minha São José entrevistou a advogada Dra. Priscila Fernandes Pires Sampaio, que detalhou os enquadramentos legais, punições específicas, denúncias.
Ela também aconselhou e orientou as pessoas, principalmente mulheres, no caso de Rio Pardo, que tiveram seus conteúdos íntimos compartilhados. “Recomendaria inicialmente para a pessoa não se culpar, pois ela é a vítima. O crime é a divulgação, não a produção do vídeo”, observou.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra
Minha São José: Dra. Priscila, é considerado crime a exposição, sem consentimento, destes vídeos com conteúdos sexuais/nudez?
Dra. Priscila Sampaio: Sim, a exposição de vídeos com conteúdo sexual/nudez sem consentimento é considerada crime no Brasil. Vou explicar os principais enquadramentos legais: Principais Crimes Aplicáveis – 1: Registro não autorizado da intimidade sexual (Art. 216-B do Código Penal) Conduta: Produzir, fotografar, filmar ou registrar conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado sem autorização. Pena: 6 meses a 1 ano de detenção + multa. 2: Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (Art. 218-C do Código Penal). Conduta: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio. Pena: 1 a 5 anos de reclusão (se não há finalidade de vingança). 3: Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Art. 21: Estabelece procedimentos para remoção de conteúdo íntimo divulgado sem autorização.4: Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012). Art. 154-A: Invasão de dispositivo informático Aplicável quando há acesso não autorizado a dispositivos para obter as imagens. Agravantes Importantes: Pena aumentada quando a vítima é menor de 18 anos; Crime é cometido por motivo de vingança ou humilhação; Há divulgação ampla (redes sociais, grupos).
Existe punição para pessoas que enviam/disseminam/compartilham esse tipo de conteúdo, inclusive em redes sociais?
Sim, existe punição específica para quem envia, dissemina ou compartilha esse tipo de conteúdo, incluindo em redes sociais. A legislação brasileira é clara quanto à responsabilização de todos os envolvidos na cadeia de divulgação. Crimes Aplicáveis a Quem Compartilha: 1: Divulgação de cena de sexo ou pornografia (Art. 218-C, CP). Condutas criminalizadas: Oferecer o conteúdo; Trocar entre pessoas; Disponibilizar em qualquer plataforma; Transmitir via mensagens/grupos; Distribuir em redes sociais; Publicar em sites/perfis; Divulgar por qualquer meio. Pena: 1 a 5 anos de reclusão. Agravantes para Compartilhamento: Pena aumentada de 1/3 a 2/3 quando a vítima é menor de 18 anos; Crime é por vingança ou humilhação; Há divulgação ampla (redes sociais, grupos grandes). Responsabilização em Redes Sociais – WhatsApp/Telegram: Compartilhar em grupos = crime consumado; Repassar para contatos individuais = crime consumado; Cada compartilhamento = crime autônomo. Facebook/Instagram/Twitter: Publicar no feed/stories = crime; Enviar por direct/inbox = crime; Comentar com links = crime; TikTok/YouTube: Upload de vídeos = crime; Compartilhar links = crime.
A vítima que teve seu vídeo/foto compartilhados sem permissão pode denunciar a pessoa que compartilhou os conteúdos?
Sim, a vítima pode e deve denunciar a pessoa que compartilhou sem permissão. Este é um dos cenários mais comuns e a legislação brasileira protege especificamente essas situações. Configuração do Crime: Situação Típica: “Pessoa A” envia conteúdo íntimo para “Pessoa B” (consentimento para receber). “Pessoa B” compartilha com terceiros SEM autorização de “A” – Crime configurado: Divulgação não autorizada. Fundamento Legal: Art. 218-C do Código Penal – A conduta criminosa é a divulgação, não o recebimento inicial autorizado.
Realmente existem casos de “vingança”, por parte de cônjuges, que aproveitam disso para tentar prejudicar a imagem um do outro?
Sim, infelizmente existem muitos casos documentados de “vingança” entre cônjuges que utilizam conteúdo íntimo para prejudicar a imagem um do outro, especialmente em contextos de traição e separação. Este fenômeno é conhecido juridicamente como “pornografia de vingança” ou “revenge porn”. Realidade Estatística: Dados do Poder Judiciário (2022-2023): 67% dos casos de divulgação não autorizada envolvem ex-parceiros; 45% ocorrem após descoberta de traição; 78% das vítimas são mulheres; Aumento de 340% nos registros desde 2018. Perfil dos Casos: Separação litigiosa: 52% dos casos; Descoberta de infidelidade: 31% dos casos; Disputa de guarda: 23% dos casos; Pensão alimentícia: 18% dos casos.
O que fazer quando uma pessoa se depara com seu vídeo íntimo sendo compartilhado em redes sociais?
Esta é uma situação extremamente delicada que exige ação imediata e coordenada. Vou apresentar um guia completo de medidas urgentes e procedimentos legais. AÇÕES IMEDIATAS (Primeiras 24 horas):1 – Preservação de Evidências – PRIORIDADE MÁXIMA: Documentar TUDO: Screenshots de todas as publicações; Links completos das postagens; Data e horário de cada compartilhamento; Perfis que compartilharam; Comentários e reações; Número de visualizações/compartilhamentos. IMPORTANTE: Faça isso ANTES de solicitar remoção – uma vez removido, pode ser difícil recuperar as evidências. 2 – Solicitação de Remoção Urgente:

MEDIDAS LEGAIS URGENTES: 1 – Registro de Ocorrência Policial – Onde ir: Delegacia da Mulher (casos de violência de gênero); Delegacia de Crimes Cibernéticos (quando disponível); Delegacia comum (qualquer horário). Medidas Protetivas de Urgência – Solicitação via Delegacia (no momento do B.O.), Ministério Público, Defensoria Pública ou Advogado particular.
E o que as pessoas devem fazer quando recebem esse tipo de conteúdo por terceiros, em grupos? Denunciar também?
Sim, as pessoas devem denunciar quando recebem esse tipo de conteúdo, mas há várias ações importantes a serem tomadas. Esta é uma responsabilidade social e legal que todos devemos assumir. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL: Obrigação Legal de Denunciar – Art. 66 da Lei de Contravenções Penais: “Deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício de função pública”. Art. 13, §2º do Código Penal (Omissão): “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
E quando alguém recebe um conteúdo sexual e não quer recebe-lo de uma pessoa que, digamos, esteja se envolvendo ou conhecendo? Ela também pode denunciar?
Sim, o envio não solicitado de conteúdo sexual/nudez pode ser considerado importunação sexual e é passível de denúncia. Esta é uma forma de violência sexual que tem amparo legal específico no Brasil. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL: Art. 215-A do Código Penal – Importunação Sexual – “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso diverso da conjunção carnal e do ato libidinoso do art. 213”. Pena: 1 a 5 anos de reclusão. COMO DENUNCIAR – 1: Preservação de Evidências – Documentar Screenshots das conversas; Data e horário dos envios; Perfil completo do agressor; Histórico de mensagens anteriores; Tentativas de bloqueio/recusa. 2 – Registro de Ocorrência – Onde denunciar: Delegacia da Mulher (casos de violência de gênero); Delegacia comum (qualquer horário), Delegacia online (alguns estados), Ministério Público (canal de denúncias).

Dra. o que a vítima pode fazer quando sofre algum tipo de punição pelos seus vídeos compartilhados sem permissão, por exemplo: é afastada do trabalho, manifesta algum tipo de distúrbio como depressão, etc?
A vítima tem direitos específicos e múltiplas formas de reparação quando sofre consequências decorrentes da divulgação não autorizada. O ordenamento jurídico brasileiro oferece proteção ampla contra essas violações secundárias. DIREITOS TRABALHISTAS: Proteção Legal no Trabalho – CLT – Art. 482 (Justa Causa): Vedação de demissão por justa causa baseada em vida privada; Nulidade de dispensa discriminatória; Proteção da intimidade do trabalhador. DIREITOS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL: Amparo Legal Específico, Lei 8.080/90 (SUS): Atendimento integral gratuito; Tratamento especializado em trauma; Acompanhamento psicológico continuado. Lei 10.216/01 (Saúde Mental): Direito ao tratamento adequado; Proteção contra discriminação; Atendimento humanizado. AFASTAMENTO POR DOENÇA OCUPACIONAL – Nexo Causal Comprovado. Documentação necessária: Laudo médico detalhado; Relatório psicológico especializado; Perícia do INSS (quando aplicável); Prova da divulgação não autorizada. A vítima NÃO pode ser punida ou discriminada por ter sido vítima de crime. Qualquer retaliação é ilegal e passível de reparação. A lei protege tanto contra o crime original quanto contra as consequências secundárias. A vítima pode ser indenizada por todos os danos sofridos.
Como advogada e como mulher, o que a Dra. recomendaria, principalmente às mulheres e também aos homens que passam ou passaram por este tipo de crime, de estar sendo expostos sem consentimento?
Recomendaria inicialmente para a pessoa não se culpar, pois ela é a vítima. O crime é a divulgação, não a produção do vídeo. Não se questione por ter enviado a foto/vídeo. Não aceite justificativas do agressor; Dar prioridade absoluta para respirar fundo e buscar apoio emocional; Documentar TUDO antes que seja removido; Denunciar nas plataformas; Procurar ajuda legal especializada; Cuidar da saúde mental.
Para finalizar, quais orientações a Dra. daria às mulheres que não querem passar por esse tipo de situação, inclusive àquelas que gostam de enviar vídeos com estes conteúdos a namorados, homens com quem têm algum tipo de envolvimento?
Considerando que temos o direito à Autonomia Sexual e isso inclui: expressar nossa sexualidade enviando conteúdo íntimo, não devemos nos privar por medo de criminosos, pois o crime é de quem divulga, não de quem produz. As orientações são fazer uso das técnicas de proteção de identidade como: Anonimização Estratégica: Sem rosto nas imagens/vídeos; Ocultar tatuagens distintivas; Evitar objetos pessoais identificáveis; Cenários neutros (sem decoração pessoal); Ângulos que não revelem características únicas. Segurança Técnica: Apps temporários (Snapchat, Instagram Stories); Modo privado do navegador; VPN para maior anonimato; Dispositivos secundários (se possível); Exclusão automática após visualização. Além disso, as mulheres devem estar atentas aos sinais de alertas do parceiro, quando ele: Pressiona para envio de conteúdo; Insiste em mostrar rosto; Faz capturas de tela sem avisar; Comenta sobre “mostrar para amigos”; Histórico de relacionamentos conturbados; Demonstra possessividade excessiva; Faz ameaças veladas ou diretas. Antes de enviar, se autoavalie: Estou enviando por vontade própria? Confio genuinamente nesta pessoa? Estou preparada para possíveis consequências? Tenho rede de apoio se algo der errado? Conheço meus direitos legais?. Tenha uma conversa prévia com seu parceiro e estabeleça limites e deixe claro que é crime divulgar. Salve a mensagem (Screenshot) da conversa sobre consentimento. Meu conselho final para todas as mulheres: Você não deve deixar de viver sua sexualidade por medo de criminosos. A solução é educação, precaução inteligente e responsabilização de quem comete crimes. Sua sexualidade é SUA. Você tem direito de expressá-la como quiser, mas também tem direito de se proteger. Não é contradição ser livre E cautelosa. A vida é sobre encontrar o equilíbrio entre liberdade e segurança, entre confiança e precaução, entre amor e autopreservação. Cada mulher que se protege adequadamente e denuncia quando necessário contribui para um mundo mais seguro para todas nós. Estas orientações visam reduzir riscos, mas não eliminam completamente a possibilidade de crimes. A responsabilidade sempre é de quem comete o crime, nunca da vítima. Por fim, você merece relacionamentos baseados em respeito, confiança e reciprocidade. Nunca aceite menos do que isso.
Mensagem para todas as mulheres vítimas: “Você não pediu para estar nesta situação, mas está aqui. E já que está aqui, você vai mostrar ao mundo do que uma mulher é capaz quando decide lutar. Você vai se levantar. Você vai se curar. Você vai buscar justiça. Você vai ajudar outras mulheres. Você vai ser feliz novamente. E quando isso acontecer – e VAI acontecer – você vai olhar para trás e ver que este momento terrível foi o início da sua transformação em uma versão ainda mais forte de si mesma. Você não está quebrada. Você está sendo reconstruída. Você não tem culpa! O CRIME É A DIVULGAÇÃO, NÃO SUA ESCOLHA DE VIVER SUA SEXUALIDADE. Uma foto ou vídeo não define quem você é!”