Feminicídio: Dra. Ana Maia fala sobre o crime, causas, punições e como as mulheres devem se defender
Entrevista e texto: Natália Tiezzi
Basta ligar a TV, acessar a Internet ou ler um jornal impresso que um misto de tristeza e, por vezes, impotência sensibiliza a todos, e principalmente as mulheres. Os casos de Feminicídio aumentaram significativamente no Brasil.
A maioria dos registros são concentrados no ambiente doméstico, bem como também ocorreu crescimento da violência com armas de fogo. Estudos como o Mapa Nacional da Violência de Gênero apontaram 718 feminicídios no primeiro semestre de 2025. O Monitor de Feminicídios (Lesfem) indicou 5.582 casos (consumados/tentados) entre janeiro e outubro.
A maioria das vítimas são mulheres negras, com idades entre 18 e 44 anos. Cerca de 80% das mulheres foram mortas por companheiros ou ex-companheiros, e 64% dos crimes ocorreram dentro de casa.
Outro dado que choca é que, segundo a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher (DataSenado), 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica ou familiar em 2025.
Para explicar o que é esse crime, além das principais causas e como as mulheres devem se proteger, o site e jornal online Minha São José entrevistou a advogada Ana Helena Machado Maia, que também destacou como se inicia essa violência, que geralmente começa com um ciclo e o quão é necessária a percepção da vítima para cessar os abusos.
Sobre as punições, Dra. Ana observou que desde outubro de 2024 as penas para o Feminicídio se tornaram mais rigorosas, entretanto, afirmou que “o foco deve ser a efetividade da lei e a prevenção do crime. Penas duras sem fiscalização de medidas protetivas nem sempre impedem o crime. A educação de base e o monitoramento eletrônico (tornozeleiras) são caminhos cruciais”.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.
Minha São José: Dra. Ana, o que é, em síntese o crime de Feminicídio?
Dra. Ana Helena Machado Maia: É o assassinato (homicídio) de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino. No Brasil, isso ocorre em duas situações principais: Violência doméstica e familiar – Quando o crime acontece dentro de casa ou por alguém próximo; Menosprezo ou discriminação à condição de mulher – Quando o crime é motivado pelo simples fato de a vítima ser mulher. Anteriormente, era uma qualificadora do crime de homicídio (Art. 121 do Código Penal), atualmente é crime autônomo.
Quais as causas dos altos índices, que pudemos notar principalmente neste ano de 2025?
Na verdade é um problema estrutural. As principais causas são: Cultura machista: – A ideia de posse do homem sobre a mulher; Impunidade ou demora judicial – Que muitas vezes desencoraja a denúncia; E o principal, a dependência emocional e financeira – Que dificulta a saída do ciclo de violência.
Como inicia essa violência?
Raramente começa com a morte. Ela geralmente segue o chamado ‘Ciclo da Violência’ com Tensão: Ofensas verbais, crises de ciúmes e controle. Explosão: Agressão física ou ameaças graves. Lua de Mel: Pedidos de desculpas, promessas de mudança e carinho momentâneo, até que a tensão recomeça.
Atualmente, quais as penas previstas ao Feminicídio?
Houve uma mudança muito importante e recente na legislação brasileira. Desde outubro de 2024, com a sanção da Lei 14.994/24, as punições para o crime de feminicídio tornaram-se significativamente mais rigorosas. Atualmente, o feminicídio deixou de ser apenas uma “qualificadora” do homicídio e passou a ser um crime autônomo (Artigo 121-A do Código Penal). As Novas penas previstas para o crime de feminicídio no Brasil são: Pena Base: Reclusão de 20 a 40 anos. (Antes da nova lei, a pena era de 12 a 30 anos). Aumento de Pena (1/3 até a metade): A pena pode ser ainda maior se o crime for praticado: – Durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto; – Contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos, com deficiência ou doença degenerativa; – Na presença (física ou virtual) de descendentes ou ascendentes da vítima (filhos ou pais); – Em descumprimento de medidas protetivas de urgência. Outras mudanças importantes da Lei 14.994/2024, além do aumento do tempo de prisão, é que a nova legislação endureceu outras regras para quem comete esse crime.
A Dra. acredita que essas penas poderiam ser ainda mais duras?
Acredito que o foco deve ser a efetividade da lei e a prevenção do crime. Penas duras sem fiscalização de medidas protetivas nem sempre impedem o crime. A educação de base e o monitoramento eletrônico (tornozeleiras) são caminhos cruciais. Além disso, o acompanhamento/tratamento do agressor, para que ele tome consciência dos seus atos e possamos prevenir novos episódios de violência. Importante ressaltar que o tratamento do agressor deve incluir terapia e reabilitação para abordar as causas subjacentes do comportamento agressivo. É importante notar que o agressor é responsável por seus atos e que a vítima não é culpada pela violência sofrida.
E como as mulheres podem se defender deste e de outros tipos de violência?
Denúncia: Ligar para o 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 190 em emergências. Medidas Protetivas: Solicitar o afastamento do agressor imediatamente. Rede de Apoio: Buscar ajuda de familiares, amigos e centros de referência (CRAS/CREAS).

Outras dicas importantes: – Identificar sinais de alerta: Preste atenção em comportamentos como ciúme excessivo, controle sobre a vítima, ameaças ou agressões verbais. Buscar ajuda: Se você ou alguém que você conhece está em uma situação de agressão, busque ajuda imediatamente. Ligue para a Central de Atendimento à Mulher (180) ou para a Polícia (190). Apoio emocional: Ofereça apoio emocional à vítima e incentive-a a buscar ajuda profissional. Segurança: Se a vítima estiver em perigo, ajude-a a encontrar um local seguro.
Dra. Ana, o que diria para uma família que sofreu uma perda por Feminicídio?
Diria que a dor deles não é invisível. Como mãe, sinto o peso dessa ausência; como advogada, me comprometo a lutar para que o sistema não falhe na busca por justiça. Nenhuma sentença traz a vida de volta, mas o acolhimento e a punição severa do culpado são passos fundamentais para que essa família possa, um dia, encontrar um pouco de paz.”
Por fim, o que diria para mulheres que estejam vivenciando algum tipo de violência?
Diria que a violência doméstica é um crime e não é culpa da vítima. Ao menor sinal de violência, denuncie! Você não está sozinha: há ajuda disponível sempre! A ajuda profissional é fundamental para a recuperação da vítima.





