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Crônica de domingo: Pensamento positivo, velho!

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Era uma sexta-feira, 26 de fevereiro de 1983, quatro da tarde, quando entrei na redação de Gazeta para entregar um xerox de uma crônica já publicada. Estava de férias. Na cozinha, um pequeno grupo reunido. Marco Aurélio (Maquelo), editor responsável pelo jornal, chamou-me.

 – Rodolpho, a Gazeta ia lhe fazer uma surpresa: reimprimir a sua “Revolução na minha aldeia” e distribuir o folheto no dia da inauguração da exposição do cinquentenário, em julho… Mas o Silvinho (diretor proprietário) sugeriu que se fizesse um livro, com outras crônicas suas, além daquelas da Revolução…

 – Gozadô, hein, Maquelo! – disse eu, brincando – Você está querendo me tirar o sossego e a paz, mas não vai conseguir, não!… Não voi desbancar, nem ofuscar o Machado, o Drummond, o Diaféria, o Sabino, a Helena da Silveira, o Veríssimo… Não vou, ainda, lhes dar o lucro esperado!…

Éramos cinco na cozinha da redação, falando mesmo tempo, rindo, brincando. Nunca poderia imaginar que, naquela hora de relax, aquele papo fosse sério.

 – Não é brincadeira, não, Rodolpho! – continuou Maquelo. O Silvinho e nós vemos nas suas crônicas o universo retratado no provinciano!… Elas terão penetração fácil em todos os meios e lugares… A Gazeta vai assumir todos os riscos!…

 – Deixa de papo furado, Maquelo!…

 – Como o livro vai além das crônicas da “Revolução”, não podíamos mais pensar em lhe fazer surpresa. Você precisa selecionar os seus trabalhos… O lançamento será em julho, durante os festejos do cinquentenário da Revolução, ou em agosto, durante a Semana Euclidiana…

Começando a acreditar, fiquei assustadíssimo…

 – Mas vocês ficaram loucos, Maquelo!… Vocês já pensaram no dinheirão que será gasto neste empreendimento incerto?

 – Quatrocentos mil cruzeiros, mais ou menos…

 – Virge Maria!… E se o livro ficar encalhado nas prateleiras?… É muito risco!… o Silvinho endoidou!…

 – Não se preocupe. O risco é nosso… Escreva e selecione… Nós faremos o resto…

Os amigos, na cozinha, falavam ao mesmo tempo, cumprimentando-me, sugerindo publicação de algumas velhas crônicas, e abrindo garrafas de cerveja para comemorar.

Num instante, centenas de novas e velhas crônicas reavivaram-se em minha memória. Pensei naquelas bem guardadas e autocensuradas, que não tive coragem de publicar. Será que eu escandalizaria meus assíduos leitores? Preciso fazer uma pesquisa… Umas poucas crônicas estão confinadas na escuridão de uma gaveta, depois de, inadvertidamente, as esquecer sobre um móvel da sala… Foram lidas e condenadas: um escândalo!…

 – A sua imagem ficará comprometida!…

Será que a “Primeira experiência” sexual de um garoto de quinze anos, por ele narrada, sem rodeios, seria um escândalo? Seria indecoroso relatar o triste e desconhecido mundo de sofridas prostitutas; ou os “Desejos ocultos”, de tantos; ou, ainda, a molecada do sobrado vendo a nudez de “Um corpo de Mulher”?…

Naquela cozinha, naquele instante, vieram-me à mente nomes dos professores Hersílio, Márcio, Valdir, Marilena, Fernando… As crônicas selecionadas precisariam ser submetidas a uma revisão prévia… Escrevo de ouvido, auxiliado de perto pelo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, pelo Francisco Fernandes, pelo Hildebrando Afonso André e pelo Rocha Lima, que me esclarecem dúvidas e me dão mais segurança… Eles estão nos dicionários e nas gramáticas: meus inseparáveis companheiros de trabalho. Mesmo assim assessorado, pulgas, ratos, gatos e até elefantes sujam meus textos…

Dias depois do impacto, encontrei-me com o Márcio Lauria na escola, contando-lhe a novidade. Gentilmente, o amigo se prontificou a rever meu trabalho. E está revendo com uma atenção e dedicação incomuns. Estou feliz. Tenho poucos erros: regência, colocação indevida de pronomes, pontuação excessiva… Márcio comenta comigo página por página… A vida é um eterno aprender…

Nesta altura dos acontecimentos, quando os textos já estão praticamente selecionados para preencher as cento e oitenta páginas do meu livro, começo a pensar na capa, com esbatida fotografia de soldados de 32, na minha aldeia, encimando um título provisório: “A Revolução na Minha Aldeia” e outras Crônicas.

Estou trabalhando muito e seriamente nestes dias de licença-prêmio. Estou preocupado com o arrojo da Gazeta.

 – Quatrocentos mil cruzeiros?… E se…

 – Pensamento positivo, velho!…

Crônica publicada no livro “Meu gambá, outras crônicas e histórias”, de autoria do professor Rodolpho José Del Guerra, em 2003.

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