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Jussara, mas também pode ser chamada de “Mulher Maravilha”

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Ela aprendeu o que é o amor, o perdão e o olhar ao próximo pelas dores da vida

Reportagem e texto: Natália Tiezzi Manetta

O jeito humilde, o sorriso discreto no rosto e o olhar doce que, muitas vezes, conforta quem está por perto escondem uma mulher forte, batalhadora, que mesmo diante dos inúmeros obstáculos que já passou e ainda passa em sua vida acorda todas as manhãs e, com muita fé e coragem, começa um novo dia de lutas, de derrotas e vitórias. Com vocês, Jussara Santos, mas que também poderíamos chamar de a verdadeira “Mulher Maravilha”.

Aos 40 anos, ela já morou nas ruas, teve que entregar o filho pequeno aos cuidados dos pais, encontrou alguns carrascos em seu caminho, já venceu uma Leucemia e atualmente enfrenta o Lúpus e a Esclerose Múltipla.

Entretanto, mesmo diante de tudo isso, aprendeu o que é o amor, o perdão e o olhar solidário ao próximo, seja por meio das dores ou por alguns anjos que a vida também lhe apresentou.

Mãe de 5 filhos, Jussara também luta contra a depressão, a baixa autoestima e os inúmeros efeitos colaterais advindos dos 30 medicamentos que toma diariamente para o tratamento de suas patologias. Desanimar? Desistir? Fracassar? Essas são palavras que Jussara desconhece tamanha a sua fé em Deus e em dias melhores, sempre. Conheça mais sobre nossa ‘heroína de verdade’ abaixo.

GRÁVIDA AOS 13 ANOS: A DIFÍCIL VIDA NAS RUAS

Jussara contou que engravidou aos 13 anos e sua mãe não aceitou essa condição. “Fui colocada para fora de casa, sofri muito, mas não tive outra opção”, destacou.

Apenas com uma mochila e a roupa do corpo, Jussara saiu de casa e de carona em carona foi parar no supermercado Carrefour, em Campinas. “Por lá permaneci junto a um grupo de pessoas que já ‘moravam’ ali. Nunca experimentei álcool ou drogas ilícitas, apenas fumei cigarro por um tempo, mas depois parei. Aquele lugar me ensinou muito: senti fome, frio, sede… Muita gente passava e nem olhava para nós. Meu filho nasceu na rua. E, durante uma noite de frio intenso, quando meu leite já havia cessado e meu bebê não parava de chorar, uma grande amiga emprestou um de seus cobertores, pois achava que meu filho estava chorando de frio, porém, na verdade, era de fome. Aceitei o cobertor e, no dia seguinte, ela estava morta. Havia sofrido uma hipotermia e falecido. Aquilo foi a gota d´água para eu procurar novamente a minha família para que eles cuidassem do meu filho. Eu não tinha a menor condição de ficar com ele naquelas condições e foi o que fiz. Foi a primeira vez que entendi, de fato, o que é o amor e o que é amar”, explicou.

Jussara entregou o filho aos cuidados da mãe, mas quem criou a criança foi seu pai. “Ele deu carinho, atenção, cuidou do meu bebê como ninguém”, relatou.

Jussara junto aos filhos mais velhos, Jonas e Fernanda

ANJOS EM SUA VIDA

Após deixar o filho com os pais, Jussara voltou a morar na rua, no mesmo local. O espaço era parada obrigatória de ônibus, inclusive da região. E foi assim que ela se envolveu com um simpático motorista, 32 anos mais velho. “Percebia que ele me observava e certo dia ele se aproximou e disse para eu lhe contar minha vida. Algum tempo depois, durante uma conversa, fez um pedido: queria me tirar dali para morar com ele. Confesso que tive medo e tinha um pouco de receio de homem depois de tudo que já havia acontecido com o pai do meu filho, mas aceitei. Ele alugou uma casa e conseguiu um emprego para mim, porém vivemos como amigos durante 4 anos. Após esse período decidi dar uma chance a ele e nos casamos. Foi assim que nasceu minha filha, Fernanda”, contou.

Nesta época, casada, com emprego fixo e moradia, Jussara conseguiu a guarda do filho mais velho novamente que, à época, estava com 3 anos. Todavia, no dia em que foi busca-lo na casa de seus pais, outra decisão corajosa. “Vi o desespero de minha mãe e o sofrimento do meu filho quando fui busca-lo de volta. Não consegui tira-lo dos meus pais. Foi a decisão mais difícil da minha vida, mas foram eles que criaram meu filho. Eu, mesmo sendo mãe, não tinha esse direito de tira-lo dali tamanho seria o sofrimento dele e dos meus pais”, afirmou.

Após um tempo estabilizada no relacionamento, o marido faleceu de câncer. “Foi uma das maiores perdas da minha vida. Estava sozinha e não sabia o que fazer. Com a cara e a coragem e minha filha pequena voltei para São José. Sem emprego, mais uma vez um anjo surgiu em minha vida, a Micheli, que cedeu um quarto para minha filha e eu ficarmos por um tempo. Também foi nesta época que conheci outra pessoa que, mais à frente, mudaria muito a minha vida, o Gabriel Navega. Lembro que sem me conhecer ele foi até onde eu morava e disse que estava sabendo das minhas necessidades. Me perguntou o que eu mais precisava. Fui enfática: tudo! E foi a partir daí que construimos uma bonita amizade”.

A CORAGEM DE TOMAR DECISÕES

Após um longo período, Jussara encontrou outra pessoa a qual começou a se relacionar. Ela novamente engravidou e, para sua surpresa, uma gravidez gemelar. “Porém, o que era para ser uma família acabou se tornando um pesadelo em minha vida. E chegou um momento que não aguentei: nos separamos e, de novo, me vi sozinha, porém agora com três crianças. Mesmo naquele momento não pedi acolhida na casa de meus pais, mas recebi um grande presente de Deus: perdoei minha mãe por tudo. Eu precisava disso para ter paz e forças para encarar um novo obstáculo: a Leucemia, que descobri na gravidez dos gêmeos”.

E foram meses de um tratamento muito duro, que debilitou e desanimou muito Jussara. “Mas sempre pude contar com Deus e com meus amigos. Orava muito e sempre tive muita fé que tudo iria melhorar, como, de fato, foi acontecendo. Eu tinha três filhos para criar e não podia ‘ir embora’ naquele momento”.

Após vencer o câncer, o destino colocou diante de Jussara um velho amigo, que, hoje é seu atual marido. Mas, novamente, a vida desafiou-a. “Um dos médicos que cuidou de mim no momento da Leucemia foi enfático ao dizer que eu nunca mais poderia engravidar e ser pai era um dos grandes sonhos do meu marido. Já até havíamos conversado sobre isso quando, certa vez, fui à ginecologista por conta de algumas dores abdominais. Fiquei com medo que o câncer havia voltado, mas, para minha surpresa, eu estava grávida”.

A bebê de Jussara nasceu prematura, mas se recuperou bem. Mas a mamãe, que estava feliz por ter mais uma criança em família e conseguir realizar o sonho do marido, se viu em um novo dilema. “Durante o parto tive paradas cardíacas e minha cesárea não cicatrizava. Já havia tomado inúmeros antibióticos e a infecção não cessava. Foi então que a médica notou um inchaço até incomum no meu joelho, mas que para mim era absolutamente normal, visto que já havia até mesmo operado o mesmo. Ela encaminhou-me a um reumatologista que, após exames, constatou que eu era portadora de Lúpus, uma doença considerada rara, que não tem cura e que exigiria de mim passar por mais um tratamento, aliás, para o resto da vida”, disse.

Jussara explicou que devido ao Lupus sente inúmeras dores físicas, além de passar por períodos de depressão, baixa autoestima. “É uma doença muito difícil, que causa outras doenças, inclusive comecei o tratamento para a Esclerose Múltipla, que fui diagnosticada recentemente. São cerca de 30 medicamentos que tenho que tomar todos os dias”, comentou.

Família: a base e a força para Jussara enfrentar seu dia-a-dia, muitas vezes com muitas dores

O OLHAR SOLIDÁRIO AO PRÓXIMO

Depois de passar por tantos momentos ruins, superar obstáculos e enfrentar tantos problemas de saúde, Jussara ainda encontra forças para fazer o bem ao próximo. Ela é uma das fundadoras da Associação Amigos da Rua que, duas vezes por semana, leva carinho, amor e alimento a pessoas em situação de rua. “Eu já senti na pele o que é passar fome, frio, sede e não ter a atenção, o carinho, o abraço reconfortante do meu semelhante. E eu, juntamente com um grupo de amigos e voluntários, estou podendo oferecer isso para os que mais precisam”.

Em suas visitas noturnas a diversos pontos onde os moradores de rua costumam ficar, Jussara disse que a grande maioria necessita muito além de um prato de comida. “A primeira coisa que pedem é um abraço, um aperto de mãos e atenção. Muitos já contaram suas vidas para mim… Só depois é que muito respeitosamente pegam a marmita com o alimento. A maior fome dessas pessoas é de amor e carinho. Um dia, se Deus quiser, eu ainda quero ter uma casa de acolhida para dar apenas uma oportunidade para esses seres humanos se recuperarem. A grande maioria só precisa disso: uma oportunidade!”.

Dificuldades, doenças, dores no corpo e na alma… O que será que faz Jussara levantar todos os dias e enfrentar mais um dia? “Tenho problemas como qualquer um. Às vezes mais, às vezes menos, porém sempre procuro encara-los com muita fé e coragem. Tenho meus filhos e é neles que penso todos os dias que levanto pela manhã, com ou sem dores, bem ou mal emocionalmente. Vivo para minha família e assim será até quando Deus me permitir viver”.

Jussara junto aos “Amigos da Rua”: Associação leva amor e alimento às pessoas em situação de rua

Para o futuro, Jussara espera passar para os filhos a fé e a coragem que a fazem enfrentar a vida com muita dignidade. Ela também deixou uma mensagem àqueles que têm sonhos e, por um motivo ou outro, pensam em desistir. “Jamais desistam de sonhar. O sonho é o que nos mantém vivos. E vá em busca deles. Enfrente o que tiver que enfrentar, ria, chore, ore, vá em frente, independente de suas dificuldades. Acredite nos seus sonhos e acredite em você, sempre!. Deus é por todos nós, confie!”, concluiu.

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