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Ecólogo destaca que queimadas já consumiram cerca de 15% do território rio-pardense

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João Gabriel Ribeiro Giovanelli destacou que focos de incêndio estão acontecendo em períodos mais curtos e em matas com alto grau de regeneração

Entrevista e texto: Natália Tiezzi

São José do Rio Pardo está vivendo uma triste realidade ambiental nas últimas semanas. O município está classificado entre os 10 com os maiores focos de incêndio do estado. As consequências disso já são sentidas pela população, que sofre com o ar poluído pelas queimadas, as quais prejudicam ainda mais a saúde nesta época de tempo seco.

Entretanto, não é apenas a saúde humana que está sendo prejudicada. Grandes áreas de matas estão sendo devastadas pelo fogo e isso já está causando e ainda causará danos ao Meio Ambiente, fauna, flora e, principalmente, ao solo.

Para falar sobre a atual situação do município em relação às queimadas e os danos que já estão sendo sentidos, o www.minhasaojose.com.br conversou com o ecólogo João Gabriel Ribeiro Giovanelli, que também é mestre e doutor em Ciências Biológicas pela UNESP de Rio Claro. Há anos ele desenvolve estudos relacionados às mudanças climáticas, espécies ameaçadas de extinção e invasão biológica e foi consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit – GIZ em projetos de criação de parques e reservas e atual lista brasileira dos anfíbios ameaçados de extinção.

Gabriel disse que a realidade de São José com relação aos incêndios não está diferente de outras localidades Brasil afora, como é o caso da Amazônia e Pantanal. Segundo o ecólogo, nestas últimas semanas, o fogo consumiu um espaço considerável de território no município. Ele também chamou a atenção para as doenças causadas pela fumaça e ar contaminados, principalmente neste período de pandemia.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra e não se esqueça: promover queimadas é crime!

Gabriel, pelos seus estudos, qual a porcentagem de área que já foi atingida pelas queimadas em São José neste ano?

João Gabriel Ribeiro Giovanelli: Após os diversos eventos de queimadas que aconteceram entre o mês de agosto e setembro, resolvi verificar a área atingida pelas queimadas utilizando imagens de satélite. Para isso, fiz uma busca no banco de dados do satélite Landsat 8, e consegui boas imagens para os dias 07/08/2020 e 11/09/2020. Neste sentido, foi possível verificar que aproximadamente 10 a 15 % do território do município foi queimado, atingindo principalmente a mata nativa ao longo do rio Pardo e topos de morros.

É a primeira vez que São José e região sofrem tanto com os incêndios em matas?

Com certeza não é a primeira vez que isso acontece. Não temos disponível um monitoramento histórico das queimadas no município. No entanto, as matas que agora foram alvos dos incêndios estavam com alto grau de regeneração, isto é, ficaram longos anos sem sofrerem com o fogo. Além disso, muitos moradores relatam que nunca presenciaram tantos focos de incêndios em um curto espaço de tempo. Ainda, é importante ressaltar que nesta estiagem de 2020 tivemos também recordes de focos de incêndios no Pantanal e Amazônia.

Quais são os prejuízos, do ponto de vista ambiental e biológico, por conta dessas queimadas?

Do ponto de vista ambiental e biológico os prejuízos são diversos. Atualmente sabemos que as florestas prestam diversos “serviços ambientais” para sociedade. As florestas ajudam a reter água da chuva, refletem calor, abrigam diversos animais que podem controlar pragas urbanas e, no caso das matas ciliares, protegem os rios de assoreamentos e servem de alimento para os peixes. Neste sentido, uma floresta é um conjunto de relações entre animais, plantas e o meio ambiente. Quando este ciclo se quebra não conseguimos reverter este impacto da noite para o dia. Por isso, os incêndios são muitos perigosos não só para as florestas, mas para sociedade como um todo.

Sem dúvida o solo será prejudicado. Quanto tempo, em média, ele leva para se recuperar?

Como eu disse anteriormente uma floresta é um conjunto de relações e com certeza o solo faz parte de tudo isso. Os solos, além dos minerais, possuem também matéria orgânica que é proveniente da decomposição das folhas e galhos através da atuação dos microrganismos. Durante um incêndio tudo isso é impactado e pode levar anos para que o equilíbrio se restabeleça novamente. Fora das florestas, os solos impactados pelo fogo podem perder a sua camada orgânica e ficarem empobrecidos, acarretando custos de adubação por partes dos produtores rurais.

É possível que os animais de mata migrem para as zonas urbanas fugindo das queimadas? Aqui na região quais as espécies predominantes?

Sim, é possível. No entanto, isso só vai acontecer com os animais de maior porte e que conseguem se locomover com mais facilidade e rapidez, como, por exemplo, o cachorro-do-mato, onça-parda, lobo-guará e algumas espécies de aves. No entanto, os ninhos e os alimentos destes animais serão destruídos pelo incêndio, causando impactos nestas espécies da mesma maneira. Outra informação importante é que existem diversos animais que possuem hábito de vida restrito às florestas, como algumas espécies de serpentes, insetos, anfíbios e até mesmo aves e mamíferos de pequeno porte. Estes infelizmente terão poucas chances de sobreviver.

Gabriel, quais as consequências dessas queimadas na agricultura, já que muitos pastos, como o Morro do Merli, por exemplo, foram tomados pelos incêndios?

Uma das principais consequências é a perda da fertilidade do solo, com consequente aumento do custo de adubação e correção da fertilidade. Outra perda é a mortandade de polinizadores, principalmente abelhas, que são responsáveis pela polinização de diversos cultivos agrícolas, principalmente o café. Estudos mostram que a extinção das abelhas pode ser catastrófica para produção de alimento no mundo, já que elas polinizam mais de 70 tipos de plantas essenciais da alimentação dos seres humanos.

Um incêndio pode começar por conta das altas temperaturas ou são realmente criminosos?

O fogo necessita de uma ignição (fagulha, chama e raios) para acontecer, assim um foco de incêndio não vai acontecer só por conta da alta temperatura. No entanto, temperaturas altas favorecem os eventos de incêndios pois a vegetação fica seca, se queimando mais facilmente, através de bitucas de cigarro jogadas ao longo de rodovias e até mesmo em eventos de queda de raios em zona rural. No caso de São José acredito que esteja acontecendo uma soma de fatores que vai desde descuido por parte da população, que aproveita esta época para “limpeza” de terrenos, falta de conscientização por parte das pessoas que jogam bitucas de cigarro nas rodovias e até mesmo incêndios criminosos, com intuito de degradar florestas visando facilitar a abertura de novas áreas anteriormente proibidas por conta de existir florestas preservadas no local.

Para finalizar, quais as principais consequências das queimadas para a saúde da população?

Estamos em um momento crítico sem precedentes por conta da pandemia de COVID-19, mais do que nunca temos que prezar por ações de melhoria da saúde da população. Pesquisas recentes mostram que a exposição ao ar poluído por longos períodos de tempo pode causar ou agravar doenças respiratórias que tornam as pessoas mais vulneráveis ao novo coronavírus. Neste sentido, deveria ser de extrema importância ações de sensibilização da população sobre os riscos que as queimadas podem causar, como também a criação de parcerias com instituições públicas diversas visando otimizar as ações de combate aos incêndios.

Imagem do município de São José do Rio Pardo obtida pelo satélite Landsat 8 no dia 07 de agosto. Nesta data era possível observar somente algumas áreas queimadas (cinza escuro)
Nesta imagem, do dia 11 de setembro, já é possível observar o aumento significativo das áreas queimadas (cinza escuro), principalmente nos topos dos morros e ao longo do rio Pardo

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