Denise Salvador: Vocação, amor e doação à Enfermagem
Reportagem e texto: Natália Tiezzi Manetta
Carismática, exigente, sorridente e dona de uma personalidade e inteligência únicas que a fizeram ser reconhecida como uma das profissionais de maior destaque na Enfermagem. Nossa matéria especial de hoje que, na verdade, é uma homenagem a todos os profissionais da área que estão trabalhando e arriscando suas vidas diante da pandemia do novo Coronavírus, conta um pouco da vida profissional e pessoal de Denise Rondinelli Cossi Salvador.
Ela, que enxerga e exerce a Enfermagem como um verdadeiro sacerdócio, falou sobre os desafios, as conquistas e a luta diária de uma classe que, em síntese, doa a vida para cuidar de vidas.
Embora essa seja a essência do enfermeiro, o doar para cuidar, Denise destacou que um de seus maiores aprendizados foi exatamente o de respeitar a vontade do paciente em morrer. “Ali aprendi que muito mais que cuidar, a Enfermagem também tem o papel e até o privilégio de acompanhar e ouvir o paciente, de estar presente em horas cruciais, de segurar, literalmente, as mãos dos enfermos”, disse.
Após anos dedicados ao trabalho na Saúde Municipal, Denise atualmente é coordenadora do curso de graduação em Enfermagem na UNIP Rio Pardo, função que exerce desde 2004), além da docência na Enfermagem e em outros cursos da área da saúde como Biomedicina, Educação Física, Farmácia, Fisioterapia e Nutrição.
Casada com Mário Celso Salvador e mãe de três filhos, sendo Mário, casado com Ana Carla; Mariana, casada com Alexandre, e Letícia, noiva de Leonardo, Denise falou ainda sobre a importância da família em sua profissão e como a Enfermagem lhe ajudou na maternidade, bem como agora como avó. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.
Denise, por que você escolheu a Enfermagem como carreira profissional?
Denise Cossi Salvador: Desde pequena sempre fui muito atenta à vida e às pessoas. Observadora por essência – cuidar, acolher e estar próxima deixava minha alma feliz e meu coração, mesmo que acelerado, sereno! Sabia que meu caminho era na área de Biológicas, o que ficou cada vez mais evidente a partir do Colegial, com as aulas do Professor Conti – pra mim um exemplo – carismático, com um saber que compartilhava de forma bem humorada e instigante! Células, órgãos, sistemas, vida!!! Enfermagem – a vida pela vida!!! Uma vida cuidando e fomentando o cuidado! E assim optei pela Enfermagem!!!
Onde você estudou e quando se formou?
Há 40 anos, sair de São José para estudar não era tão simples e comum. A vida era difícil e ainda haviam muitos preconceitos, incluindo a escolha que fiz – Enfermagem. Sempre fui muito estudiosa e no terceiro ano mergulhei intensamente nos livros (éramos autodidatas). Fiz um único vestibular em uma universidade que oferecia uma bolsa de 50% em troca de prestação de serviço em unidade hospitalar, o que permitiria aos meus pais me bancarem durante a formação. E assim fiz Enfermagem na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, me formando em 1976. E lá se vão 44 anos…
Qual foi seu primeiro emprego na área?
Apesar da minha imensa timidez, sempre fui uma aluna comprometida, dedicada e atuante. Não perdia oportunidades e me destacava com muito estudo e curiosidade científica, além de uma busca incessante por mais e mais, construindo novas formas de fazer e me dispondo constantemente a aprender, compartilhar e somar. E foi assim que ao término do curso fui convidada a ficar na Universidade. Foi o melhor presente que poderia ter recebido – iniciar minha vida profissional ao lado dos meus mestres!
O que é o melhor e o pior em ser enfermeiro?
O melhor em ser enfermeiro é nossa capacidade de transformar … Transformar vidas através do cuidado individualizado e coletivo lastreado em ciência, técnica e humanidade. Transformar o saber, a partir da nossa capacidade de observar e desenvolver novos processos de gestão e de cuidado. Transformar a relação profissional – cliente, a partir do empoderamento individual, familiar e coletivo como pressupostos para a autonomia e opções de vida mais responsáveis e de qualidade. Transformar as políticas de saúde em decisões que de fato sejam respostas às necessidades da população e contribuam para a o desenvolvimento social. Transformar a inércia de muitos comandantes na motivação e criatividade que salva, conforta, cuida, acolhe e supera. Transformar o exercício profissional através dos exemplos éticos, responsáveis e comprometidos com a vida em todo o seu ciclo vital – do nascimento a finitude. Já o pior em ser enfermeiro ainda é o descompasso entre o nosso papel e sua relevância para o setor saúde – presença essencial e determinante para a consecução do cuidado nos diferentes contextos como a saúde publica e a hospitalar, faltando valorização da categoria profissional que necessita de direitos ao invés de discursos.
Há alguma história ou fato que te emocionou durante esses anos de profissão? Pode contar um pouquinho sobre ele?
Nossa houveram muitos fatos e muitas emoções, mas, sem dúvida, a mais impactante como pessoa e profissional foi o meu aprendizado com um paciente jovem, portador de neoplasia terminal que conheci a partir do pedido da mãe que não conseguia aceitar a sua decisão de abandonar os tratamentos. Foram dois meses de convivência quase que diária com uma família amorosa e unida, que buscava através da mãe apoio para cuidar e convencer o filho e irmão a lutar pela vida. Deparar- se com a determinação de um jovem que escolheu serenamente não sofrer mais com tratamentos, que apesar de paliativos visando lhe conceder conforto e qualidade de vida no tempo que lhe restava, ainda assim para ele eram dolorosos e sofridos, foi um exercício de ética e respeito para com ele, sua família e comigo mesma. Somos formados e preparados para cuidar da vida e foi doloroso entender que neste caso – o cuidar era apenas permanecer ao seu lado… E foi assim: estive com ele até o fim, quando não mais falava, mas seu olhar quando encontrava meus olhos dizia “obrigado por me respeitar, respeitar minha vontade e decisão e estar aqui sem tentar me convencer, só estar aqui…” E eu estive com ele, que me transformou profundamente…
Diante dessa Pandemia que o mundo está enfrentando, como nós deveríamos tratar os enfermeiros, já que muitos ainda desrespeitam esses profissionais?
A Enfermagem representa no mundo todo o maior contingente de profissionais de saúde. São os agentes dos cuidados durante 24 horas do dia, em todos os ambientes de trabalho relacionados à prestação de serviços. São os que estão em contato direto e continuado com os usuários e enfrentam cotidianamente os desafios das inadequações de organização, a falta de planejamento e gestão, a insuficiência de recursos materiais, humanos, de estrutura física, de tecnologia. Entretanto, com responsabilidade, conhecimento científico, técnica e comprometimento buscam cumprir o seu papel de cuidadores com eficiência e eficácia. São eles que, de fato, fazem a diferença e alicerçam a saúde, sobrepujando todos os desafios. Sem Enfermagem a saúde pára! Há que se respeitar e valorizar esses profissionais – permitindo- lhes o exercício profissional com segurança, sem violência (uma questão extremamente séria ), acatando os limites de tempo para o cuidar e os critérios de prioridade fundamentados na emergência da situação! Neste momento de pandemia é preciso ser solidário e não olhar apenas para si mesmo. É preciso seguir as orientações do momento como o distanciamento social, as medidas de higiene ambiental, respiratória e outras. Usar os serviços de saúde com responsabilidade para com todos. Exercitar a paciência – a Enfermagem – assim como os demais profissionais de saúde estão trabalhando, cuidando dos seus e dos nossos queridos!!! Não os pressionem!!! Eles já estão pressionados!!! Deem- lhes espaço e tempo para cumprirem com seu papel!!! Reconheçam o seu trabalho !!! Façam bem a sua parte – acompanhem e sigam as orientações que estão sendo veiculadas pelo Ministério da Saúde!! Esse é o respeito e a valorização que precisamos!!! Contamos com todos para poder cuidar de todos!!!!
Por tocar neste assunto, o que falta para a Enfermagem hoje no Brasil: Valorização, Reconhecimento ou Respeito?
A Enfermagem avançou muito e continua a avançar. Ainda é uma profissão feminina e como tal ainda sofre com as questões relativas ao gênero – desrespeito, desvalorização, etc… Entretanto, pela mesma questão de gênero, a Enfermagem vem demonstrando a sua força, a sua capacidade de gestão e desenvolvimento, a sua eficiência no processo de cuidar e a sua determinação em enfrentar e derrubar barreiras desafiando situações postas. 2020 foi definido pela OMS como o ano internacional da Enfermagem – uma celebração global que visa elevar o perfil da profissão. Comemora – se neste ano o 200º aniversário de Florence Nightingale – precursora da Enfermagem Moderna. Mais que um ano de celebração da Enfermagem é um ano de chamada à ação. Pede- se aos chefes de Estado que reconheçam o trabalho essencial dos enfermeiros – e isso não é somente em contextos como o de agora com a pandemia do COVID – 19 . Esperamos lutando e realizando que nossos governantes de fato nos reconheçam, valorizem e respeitem como profissionais, como força de trabalho e desenvolvimento econômico e social, além de promotores de vida com qualidade, através de atos e ações que considerem questões como jornada de trabalho, benefícios previdenciários, piso salarial, atividades específicas e privativas do enfermeiro, entre outras . Esperamos o fim dos discursos e o tempo das realizações.
Vamos falar um pouco da vida pessoal. A Enfermagem te ajudou na maternidade?
Ser mãe é uma experiência única de amor incondicional e de cuidado. E neste sentido a Enfermagem me possibilitou cuidar melhor dos meus. Aprendemos muito no processo de cuidar e também amadurecemos como pessoas – o que nos dá mais serenidade para a maternidade. Não sou pessoa de procurar problemas – sou otimista e feliz – agradeço a Deus as oportunidades profissionais que tive e vivi e a partir de todas elas creio ter saído melhor na maternidade, possibilitando aos meus crescerem e se assumirem como pessoas de bem, responsáveis, éticos, solidários e comprometidos. Apesar de muitas vezes estar ausente fisicamente, creio que sempre estive presente em amor, respeito e incentivo ao crescimento de cada um deles – e os vejo capazes de enfrentarem a vida alçando seus voos e se realizando.
Quem lhe conhece sabe que você é muito família. Ela sempre te apoiou na profissão? E como souberam lidar com sua escolha, já que a Enfermagem demanda muita dedicação ao trabalho?
Sempre tive muito apoio de minha família, inclusive e principalmente de meu marido. Como dizia minha mãe “marido igual ao seu você não vai achar … ( rsrsrs…)” E eu retrucava – “mas melhor eu acho… ( e dávamos boas risadas …). Estar casada por 37 anos pode dar a dimensão do significado de parceria, amor, respeito, partilha, companheirismo e vida em comum. E foi sempre assim – com os altos e baixos da vida a dois – colocamos a família em primeiro lugar e o exercício profissional é base para que ela tenha condições de segurança para se desenvolver, além de ser base para a felicidade pessoal. Respeitamo-nos como pessoas e como tal o desenvolvimento e as necessidades individuais. E, assim, sempre tive apoio para exercer a Enfermagem, que nos ajudou a sermos o casal que somos e a família que construímos.
Para finalizar, como você definiria ser Enfermeira?
Ser enfermeiro em essência é ser um cuidador. E cuidar, acolher, dialogar, compreender, examinar, diagnosticar necessidades prescrevendo atenção de enfermagem com base científica, técnica e ética, acompanhando e avaliando a sua resolutividade e se preciso alterar práticas implementando-as. É cuidar além da pessoa, estendendo- se para a família e para a comunidade. É participar efetivamente da gestão da saúde e da construção de suas políticas públicas. É estar continuamente em formação – estudando e contribuindo para com o desenvolvimento da ciência. É liderar equipes e enfrentar os constantes desafios da profissão e da sociedade com suas diferenças e iniquidades . É trabalhar em equipe multiprofissional e de forma interdisciplinar, tendo como foco o bem estar e a segurança do cliente, da família e da comunidade. É fomentar o exercício da cidadania, destacando não apenas os direitos, mas também os deveres e a contribuição de todos para a saúde e a vida em sociedade. É ser um educador – informando e orientando, empoderando as pessoas para que tenham, de forma fundamentada e responsável, o exercício da autonomia para realizarem as suas escolhas de vida. É ocupar cargos de gestão e exercê-los com responsabilidade, competência, ética e humanidade, defendendo e honrando seu juramento profissional. É servir a vida em todas as suas formas sem ser subserviente!!! É gostar de gente!!!