Advogada Dra. Priscila P. Sampaio fala sobre o combate à violência contra as mulheres
Entrevista e texto: Natália Tiezzi
Agosto Lilás é muito além de um mês de conscientização e combate à violência contra as mulheres, mas uma campanha de informação, de apoio, de acolhimento e de luta para que todas tenham acesso à proteção, e os agressores devidamente punidos conforme estabelece a lei.
Para falar sobre o assunto, que ainda gera muitas dúvidas, o site e jornal online Minha São José entrevistou a advogada Dra. Priscila Fernandes Pires Sampaio, que atua há aproximadamente sete anos no direito às mulheres, sendo que o primeiro caso que atendeu foi de violência psicológica, ou seja, quando se fala em ‘violência’ não se restringe apenas a agressões físicas.
Ao longo da matéria, a advogada destacou os tipos mais comuns de violências contra a mulher, observando a importância da denúncia, bem como os motivos que ainda fazem com que muitas não denunciem o agressor.
Ela citou, ainda, mudanças significativas na Lei do Feminicídio e a importância das redes de apoio e políticas públicas para orientação e que garantam apoio a essas vítimas.
“Nenhuma mulher está segura enquanto uma de nós estiver em perigo. Quando uma mulher se levanta, ela levanta todas as outras e esse é o verdadeiro propósito da minha atuação: salvar vidas, ainda que essas vidas custem a minha”, afirmou a advogada que, inclusive, relatou algumas situações constrangedoras e até de ameaça durante atendimentos e processos.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.
Dra. Priscila, por que este mês foi escolhido à Campanha Agosto Lilás?
Dra. Priscila Fernandes Pires Sampaio: A Campanha Agosto Lilás foi estabelecida no mês de agosto por uma razão muito específica e simbólica: 11 de agosto marca a data de sanção da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), uma das mais importantes legislações brasileiras de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em síntese, quais as principais formas de violência contra a mulher?
De acordo com a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), existem cinco tipos principais de violência contra a mulher: Violência Física (agressões que atentem contra a integridade corporal); Violência Psicológica (ações que causem dano emocional e diminuição da autoestima); Violência Sexual; Violência Patrimonial (Atos que impliquem dano, perda ou destruição de bens e recursos econômicos); Violência Moral (Condutas que configurem calúnia, difamação ou injúria).
Qual foi a mudança mais significativa na Lei de punição a esses crimes ocorrida nos últimos tempos?
Principal Mudança Recente: Lei do Feminicídio – (Lei nº 13.104/2015), sancionada em 9 de março de 2015.
O que mudou?
Antes da Lei: Assassinato de mulheres era tratado como homicídio simples ou qualificado; Não havia reconhecimento específico da motivação de gênero; Penas menores e tratamento jurídico inadequado.
Depois da Lei: Feminicídio tornou-se crime hediondo; Pena aumentada: 12 a 30 anos de reclusão; Reconhecimento da violência de gênero como agravante; Definição Legal: O feminicídio ocorre quando o homicídio é cometido: Por razões da condição de sexo feminino; Em contexto de violência doméstica e familiar; Por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Circunstâncias Qualificadoras: A pena é aumentada de 1/3 até a metade quando o crime é praticado: Durante a gravidez ou nos 3 meses posteriores ao parto; Contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos; Contra pessoa com deficiência; Na presença de descendentes ou ascendentes da vítima
Outras Mudanças Recentes Importantes: Lei 14.188/2021: Criou o crime de violência psicológica contra a mulher; Lei 14.245/2021: Incluiu a violência política contra a mulher; Lei 14.550/2023: Programa Sinal Vermelho contra a violência doméstica.
Após a denúncia, a mulher pode pedir, por exemplo, uma medida protetiva contra o agressor, seja qual for o tipo de violência?
SIM! A mulher pode solicitar medidas protetivas de urgência independentemente do tipo de violência sofrida, conforme estabelecido na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
E por que as mulheres ainda têm tanta resistência à denúncia?
A resistência das mulheres em denunciar violência é um fenômeno complexo que envolve múltiplos fatores emocionais/psicológicos (ciclo da violência/dependências emocional e financeira/ameaça, traumas) e sociais (estigma social). Além disso, há desconfiança no sistema de justiça (morosidade judicial, medidas protetivas ineficazes, revitimização (quando a mulher é questionada por sua conduta) e baixo índice de condenações).
O que fazer para mudar essa situação de medo das mulheres às denúncias?
Existem algumas estratégias de apoio que são muitos importantes e funcionam na prática: Rede de apoio forte: Família, amigos, profissionais; Informação e educação: Conhecimento sobre direitos; Atendimento humanizado: Profissionais capacitados; Proteção efetiva: Medidas que realmente funcionem; Autonomia econômica: Programas de capacitação e emprego.

Como o município pode melhorar a rede de apoio às mulheres vítimas de violência?
Fortalecer as políticas públicas e construção de uma rede de proteção realmente efetiva, através de serviços de apoio como: Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); Ambulatório de saúde mental especializado; Creches e escolas com atendimento prioritário; Centros de qualificação profissional; Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM); Centro de Referência de Atendimento à Mulher; Casa abrigo e casas de passagem; Centro de Perícia Médico-Legal especializado etc.
Há algum caso que a Dra. tenha atendido e que a emocionou?
Cada caso tem a sua peculiaridade, mas um que me marcou tratava-se de uma violência psicológica que já acontecia há mais de 20 anos. Ela voltou ao escritório 5 vezes para dar prosseguimento ao divórcio. O marido, na época, chegou a me ligar tentando me proibir de atuar no caso. Óbvio que não recuei, mas ela, infelizmente, nunca mais voltou. Em um outro caso, a violência era patrimonial e fui ameaçada de morte. Nesse caso, a cliente não recuou e finalizamos o processo com êxito.
Qual a sensação da Dra., enquanto advogada, em ver um agressor sendo punido?
Sensação de dever cumprido e justiça feita. Nenhuma mulher está segura enquanto uma de nós estiver em perigo. Quando uma mulher se levanta, ela levanta todas as outras e esse é o verdadeiro propósito da minha atuação: salvar vidas, ainda que essas vidas custem a minha.
COMO DENUNCIAR?
A mulher que sofreu violência pode denunciar através do 180. A Central de Atendimento à Mulher é um serviço de utilidade pública ao enfrentamento à violência contra as mulheres. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.