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Loi Lima: Rio-pardense ganha a vida com a arte da palhaçaria em São Paulo

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Ela saiu de São José aos 20 anos e passou por cidades como Campinas e Florianópolis, tendo como exemplos nas artes o saudoso pai, Jô Pasteleiro, e de Lúcia Vitto

Entrevista e texto: Natália Tiezzi

Nariz vermelho, cara pintada, olhares que provocam risos, reflexões e, algumas vezes, lágrimas de emoção, de alegria. Vida de palhaço não é fácil, ainda mais nestes tempos onde a ficção imita a realidade (ou seria o contrário?). Embora difícil, ainda tem gente que acredita no sorriso e arranca-o de públicos de todas as idades.

Repeitável público, o www.minhasaojose.com.br traz em seu espaço “Cadê Você?” desta semana a história de uma rio-pardense que deixou São José há muitos anos para, literalmente, fazer ”palhaçadas’ Brasil afora. Com vocês, Luisiana Lima de Souza, ou, Loi Lima, como é conhecida no mundo artístico.

A menina de origem humilde, nascida e criada no Vale do Redentor, que frequentou escolas públicas, entre elas a E.E. Profª Laudelina de Oliveira Pourrat e formou-se técnica em Turismo pela ETE Francisco Garcia, em Mococa, encontrou na palhaçaria sua forma de se expressar, de levar às crianças, jovens, adultos e idosos a mística do palhaço através de sua querida “Ursa Maior”, personagem imortalizada por ela.

Curiosamente, Loi disse que o palhaço nunca lhe chamou tanta atenção quando ia ao circo, entretanto, a arte sempre esteve presente em seu convívio familiar. “Sou filha do Jô Pasteleiro, que muitos ainda mantém vivo na lembrança. Além de um grande músico foi também um grande palhaço de cara limpa: chamamos assim quem não usa nariz vermelho, ele era um palhaço do dia a dia, do cotidiano, palhaço operário”, relembrou, saudosa.

Além do pai, Loi também destacou a influência artística que teve de outra grande atriz rio-pardense, Lúcia Vitto, através do grupo Quo/Ação. “Depois que sai de São José morei em Campinas por quase oito anos, depois mais dois em Florianópolis, sempre trabalhando com palhaçaria e também com teatro e produções culturais”, explicou.

Atualmente, Loi vive em São Paulo e integra um coletivo de palhaçaria feminino e comicidade física chamado Rainhas do Radiador. Ela també faz parte do elenco do Palhaços Sem Fronteiras Brasil, uma organização com frente em vários países e que atua em áreas de conflito e vulnerabilidade social em projetos que acontecem no Brasil e no exterior, entre outros projetos.

A palhacinha, ou melhor, Ursa Maior, destacou, ainda as saudades de São José Rio Pardo, principalmente do sentimento de se viver em comunidade, bem como citou seus planos para o futuro que, como uma boa palhaça, são bem otimistas. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

Loi atua como a palhaça “Ursa Maior” e está preparando, junto ao Grupo Vagalum TumTum, a montagem de um novo trabalho áudio visual

Loi, quando começou essa paixão pela palhaçaria?

Loi Lima: Não sei dizer exatamente quando começou minha paixão pela palhaçaria, acho que foi quando descobri que era possível ter um ofício que fomentasse o riso, ter como matéria de trabalho o erro, o imperfeito. Pois é um pouco disso que se trata esta lida. Assumir o imperfeito, o humano em si e a partir daí criar a relação com o imperfeito e o humano do público. E rir disso, pois não há nada de errado em sermos falhos.

Você teve alguma influência na família ou de amigos para as artes?

Influência direta dentro da arte cênica como se vê nos palcos, não. Meu espelho veio sim de dentro de minha casa, mas de forma relacionada a como se deu toda a minha criação. Assim como em todas as famílias periféricas, nasci e me criei no Vale do Redentor. A criação e o sustento da prole foi difícil para meus pais que tiveram quatro filhas, mas ainda assim o riso, a descontração e o afeto sempre foram muito presentes. Sou filha do Jô Pasteleiro, que muitos ainda mantém vivo na lembrança. Além de um grande músico foi também um grande palhaço de cara limpa, chamamos assim quem não usa nariz vermelho, ele era um palhaço do dia a dia, do cotidiano, palhaço operário. Daqueles que tem o poder de amenizar as durezas da vida, sabe? E foi esta parte da genética que herdei e que foi determinante para o traçar deste caminho que percorro hoje.

O personagem do palhaço sempre lhe chamou a atenção no circo?

Na verdade não! Eu era uma criança muito tímida, toda criança negra ou que pertença a alguma minoria sabe desde sempre que a piada, o humor pode ser usados como um instrumento cruel de opressão, tanto racial, sexual quanto de gênero. Então, eu era aquela criança que ia ao circo e ficava o mais longe possível do palco, para não ser alvo do palhaço, para evitar as piadas com o cabelo e coisas do tipo, que eram muito comuns e infelizmente ainda são. Era muito difícil se ver ocupando este lugar dentro do circo porque era e é um lugar muito masculino: quantas pessoas trabalhadoras do riso, que não são homens, vocês conhecem? Percorrer o espaço da comicidade ainda é árduo para estes outros corpos, porque a sociedade se acostumou a rir das mulheres, dos LGBTQIA+, dos negros, dos indígenas, mas não se permite rir do conteúdo que eles produzem.

Loi durante apresentação com o projeto Palhaços Sem Fronteiras (Foto: Ricardo Avellar)

Qual foi seu primeiro trabalho na palhaçaria?

Meu primeiro contato com arte cênica de forma geral foi pela condução delicada, sensível e provocadora da Lúcia Vitto, no grupo Quo/Ação, onde encontrei referências base que me guiaram por todos os lugares onde passei. Dentro da palhaçaria meu primeiro contato foi com um artista genial chamado Sergio Machado, do Rio de Janeiro. Ele dirigiu um espetáculo em Campinas, onde eu vivia na época. Foi a primeira vez em que coloquei um nariz vermelho na cara!

E você trabalha com palhaçaria atualmente?

Atualmente integro um coletivo de palhaçaria feminino e comicidade física chamado Rainhas do Radiador, junto com Aline Hernandes e Ana Pessoa, em São Paulo. Faço parte também do elenco do Palhaços Sem Fronteiras Brasil, que é uma organização com frente em vários países e que atua em áreas de conflito e vulnerabilidade social em projetos que acontecem no Brasil e no exterior. E estou trabalhando também com o grupo Vagalum TumTum, no processo de pesquisa e montagem de um novo trabalho áudio visual.

O que é o melhor é o que é o pior nessa profissão?

O melhor é, sem dúvida, a possibilidade do encontro, não só com o público, mas o encontro com diversas facetas minhas que desconheço e que às vezes me deparo por acidente, e a generosidade necessária consigo próprio para se acolher e se aceitar em toda essa pluralidade. O difícil é a forma secundária como o fazer artístico é encarado. Estamos vivendo tempos devastadores para quem trabalha com cultura, qualquer tipo de cultura, porque toda a manifestação artística é valida, o que se faz na periferia, na zona rural, na rua tem tanta relevância quanto o que se faz no teatro municipal. Quem define o que é arte e sobre qual perspectiva?

O nariz vermelho e a cara pintada sempre representaram muito além do ‘fazer rir’ à Loi: “ser e estar palhaça me remete ao encontro com diversas facetas minhas que desconheço e que às vezes me deparo por acidente”

Qual foi o momento mais marcante de sua carreira?

Todo momento é rico e carrega muita beleza, não saberia selecionar um, mas as grandes e bruscas mudanças que me trouxeram sempre movimento e crescimento acho que é o que mais me marca.

Vamos voltar um pouco às suas origens. Qual é a sua maior saudade de São José do Rio Pardo?

Da possibilidade de viver em comunhão com o que é essencial, de ter sempre o rio pra nadar, mato, meus amigos de antes e de sempre, minha mãe, dos quitutes da minha irmã. Saudade de viver melhor com menos recurso, de encontrar as pessoas na rua e parar pra um prosa, enfim, de me sentir em comunidade.

Que frase você, como palhaça, deixaria ao povo brasileiro neste momento de pandemia?

É preciso estar atento e forte, todo o cuidado e toda atenção.

Para finalizar, quais são seus planos para o futuro?

Seguir abrindo as portas que a vida me apresenta, construindo trabalhos sinceros baseados em relações verdadeiras. O futuro é daqui a pouquinho, né?

Loi com o coletivo de palhaçaria feminino e comicidade física Rainhas do Radiador, junto a Aline Hernandes e Ana Pessoa, em São Paulo

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